Harmonização

Muito já se falou que o vinho não é uma bebida de happy hour. Diferentemente da cerveja ou do whisky, as quais conseguimos beber facilmente com os mais variados petiscos, e até sem nada para acompanhar, o vinho exige uma companhia mais sofisticada que as coxinhas e pasteis de praxe.
Concordo que há certo exagero dos puristas quando o assunto é o casamento de um prato com a bebida de Baco. Mas "afetações" à parte, um mínimo de bom senso químico deve prevalecer.  E o que a química tem a ver com essa história? Muita coisa.
Antes de qualquer coisa é importante lembrar que o vinho é o resultado da fermentação da uva (degradação química do açúcar através de leveduras, transformando-o em álcool). O produto final, que lhe dá características peculiares, deve possuir principalmente: Acidez, adstringência e obviamente teor alcoólico; e aí aparece a química para explicar (ou a biologia).
Essas três características básicas são primeiramente percebidas pelas papilas gustativas na língua e que conferem os sabores primários (doce, salgado, ácido e amargo), mas se você ingere um alimento que "compete" nas mesmas papilas com acidez  e condimentação exageradas, um dos lados sai perdendo, e geralmente é o vinho.  A recíproca também é verdadeira, pois se você bebe um tinto mais intenso e com taninos mais presentes (maior adstringência) com uma comida mais "leve" e menos untuosa (peixes, saladas, etc), o prato simplesmente desaparece. Leve isso em conta quando decidir juntar um vinho à uma comida qualquer.  Para uma boa harmonização, o preceito "dos opostos que se atraem" nunca deverá ser tentado. Tanto um vinho tinto pode "destruir" um prato leve, como uma comida apimentada ou carregada no tempero pode inutilizar um bom merlot ou pinot noir. Para que isso não aconteça, é melhor usar o chavão do casal ideal: "Um completa o outro". Mesmo respeitando o sagrado direito de escolha e gosto de cada um, algumas regras definitivamente precisam ser seguidas:
Nunca e em tempo algum façam as seguintes combinações:
  • Nenhum vinho com pratos temperados e/ou carregados no... Limão, laranja, kiwi,  pimentão, alcachofra, aspargo, couve, condimentos, molho de soja tipo shoyu, wasabi, gengibre, curry, dendê, alho, vinagre, amendoim, azeitona e molho agridoce.
Combina, NÃO combina:
  • Vinho tinto (com exceção talvez do pinot noir) NÃO combina com peixes ou frutos do mar. Para esses pratos COMBINE os brancos e espumantes.  O único peixe que harmoniza bem com um tinto é o bacalhau, mesmo assim se for em posta e na brasa, e sem os temperos citados acima. Poderíamos também abrir um precedente para uma sardinha portuguesa na brasa com um tinto fresco e jovem da Terrinha (com as suas uvas nativas); 
  • Aves COMBINAM melhor com brancos e espumantes, mesmo que muitos achem que o pato e o ganso podem ir bem com os tintos, por terem a carne mais "forte" e  gordurosa. A única exceção fica com o avestruz, cuja a carne mais parece filet mignon. Essa ave COMBINA com tinto;
  • Vinho branco NÃO combina com carnes vermelhas ou de caça. COMBINE com qualquer tinto de sua preferência;
  • Carne de porco COMBINA melhor com vinho branco, mas os tintos não estão descartados, dependendo muito do tempero dessa carne. Para as costeletas de porco defumadas, eu prefiro um tinto;
  • Sei que serei xingado, mas outra incompatibilidade do vinho, e aí eu me refiro a todos (brancos, tintos, rosés e espumantes), é com a cozinha oriental. Apesar de muita gente boa indicar brancos e espumantes com culinária japonesa, considero que esse dois universos nunca devam se encontrar. O preparo e o tipo de alimento ingerido pelos nossos bravos irmãos do outro lado do planeta NÃO combina com uma garrafa de vinho. Sem trocadilhos, não rola química. Sugiro uma cerveja leve.
  • Sopas NÃO combinam com nenhum vinho. Única exceção: Sopa de cebola com um Beaujolais;
  • Feijoada ou comidas "exóticas" (dobradinha, mocotó, buchada, etc...) NÃO combinam com nenhum vinho. Para essa ocasião "bate-entope", existem as cachaças e cervejas.
E o famoso "queijo com vinho"? Eu acho o casamento bom, mas tenha cuidado na escolha dos parceiros.
  • Queijos frescos, curados e brancos moles = espumantes ou branco sauvignon blanc;
  • Queijos semiduros = brancos riesling ou gewürztraminer;
  • Queijos duros = tintos encorpados (syrah, cabernet sauvignon, malbec, tempranillo e tintos italianos ou espanhóis);
  • Queijos azuis (com bolor) = vinhos doces, do Porto ou Sauternes.
Bons brindes e boa harmonia!

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