A novela da salvaguarda

Mesmo para quem não é um bebedor frequente, já deve ter ouvido falar da "famigerada" salvaguarda do vinho. De qualquer maneira, vale a pena recapitular essa novela...

No D.O.U. do dia 15 de março desse ano, foi publicada a circular nº 9 que abriu o processo  de salvaguarda para o vinho nacional. Nessa circular, nos é informado que: "há indícios suficientes de que as importações brasileiras de vinhos aumentaram em condições tais que causaram prejuízos graves (sic) à indústria doméstica. Esses indícios levaram a Secretaria de Comércio Exterior a abrir investigação para averiguar a necessidade de aplicação de medidas de salvaguarda".
Salvaguarda, como está descrito no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, tem como objetivo: "Aumentar temporariamente a proteção à indústria doméstica que esteja sofrendo prejuízo ou ameaça grave, decorrente do aumento em quantidades das importações, em termos absolutos ou em relação à produção nacional, com o intuito de que durante o período de vigência de tais medidas a indústria doméstica se ajuste, aumentando a sua competitividade".

Esse pedido de salvaguarda do vinho foi protocolado em junho de 2011 por quatro importantes entidades sediadas no Rio Grande do Sul, são elas: IBRAVIN (Instituto Brasileiro do Vinho), UVIBRA (União Brasileira de Vitivinicultura), FECOVINHO (Federação das Cooperativas do Vinho) e o SINDIVINHO (Sindicato da Indústria do Vinho do RS. Lógico que por trás delas estão os maiores produtores de vinho da Região, que são inclusive grandes exportadores (só para citar três gigantes: Miolo, Salton e Aurora). Caso seja aprovada, será estabelecido cotas por país, com exceção da Argentina e do Uruguai, beneficiados pelo Mercosul. Resumindo... Não poderemos importar mais do que um limite de garrafas por país, limite esse estabelecido pelo que foi importado em 2011, acrescido de um "pequeno percentual" ainda indefinido.

A reação foi imediata. No dia seguinte à publicação, Pedro Hermeto, proprietário do renomado Restaurante Aprazível em Santa Tereza, retirou de sua carta todos os rótulos brasileiros de vinícolas envolvidas no pedido de proteção. A partir daí, outros restaurantes famosos seguiram essa conduta (DOM, Sudbrack e Piselli). As grandes importadoras, que são as principais afetadas, logo se posicionaram radicalmente contra. Ciro Lilla, dono da maior importadora do Brasil, a Mistral, afirmou que: "O processo apresentado pelos produtores gaúchos está repleto de erros afirmações e dados errados. A adoção dessa salvaguarda representaria uma violência jurídica que prejudicaria os consumidores, comprometeria o Brasil e seria facilmente derrubada na OMC.
Sentindo a pressão, A Salton voltou atrás e emitiu uma nota em que não compactuava com a posição da IBRAVIN.

Na semana seguinte, a União Européia manifestou ao Brasil preocupação com essa possível medida. Não custa lembrar que essas medidas são passíveis de retaliação, e que os nossos vinhos estão começando a entrar no mercado europeu. Temos aí um clássico exemplo de "tiro no pé"

No dia 28 de junho aconteceu em Brasília a audiência pública desse processo, onde os advogados das partes envolvidas colocaram as suas considerações jurídicas. Os especialistas que acompanharam a sessão concluíram que a tendência é que o governo não entre nessa tremenda "furada".

A última informação que temos do imbróglio é do blog do Guilherme Barros da Isto é Dinheiro. Ele afirma que:  "O gato subiu no telhado para os produtores riograndenses"; segundo Guilherme, "a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento concluiu que não há base para conceder o benefício". Fiz uma pesquisa agora na Camex e não há nenhuma publicação ou resolução a respeito ainda.

MINHA OPINIÃO
Toda a argumentação dos produtores reclamantes se baseou no fato que a crise financeira mundial, principalmente a européia, obrigou os produtores do velho Mundo a mirar o mercado brasileiro, desequilibrando a balança comercial e prejudicando as vendas e consumo do produto nacional... Pura balela. O que faz o consumidor, seja ele tupiniquim ou de qualquer parte do Mundo escolher um produto, está sedimentado nos conceitos clássicos de demanda: Necessidade, disponibilidade, qualidade e custo.
Não devemos esquecer que os impostos que incidem sobre os vinhos estrangeiros já são estratosféricos. Para se ter uma ideia, um bom Brunello de Montalcino sai no EUA por uns R$120,00. Aqui não sai por menos de R$300,00.

Todos nós concordamos que os vinhos brasileiros evoluíram muito nos últimos anos, dando um salto quase quântico em relação ao lixo que era produzido na década de 70. Quem não se lembra dos vinhos "suaves ou rascantes" que bebíamos nos indefectíveis garrafões, mas parecidos com refresco de uva misturado com álcool de farmácia. Hoje o vinho brasileiro alcançou um bom prestígio internacional, graças à preocupação com a qualidade e principalmente pela exposição à concorrência nos últimos anos. O que os produtores gaúchos  deveriam brigar é pela redução dos nossos tributos federais, sempre lá nas alturas. O que limita o consumo interno dos nacionais é o preço cobrado nas prateleiras de supermercados e cardápios de restaurantes. O nosso bom vinho (um Miolo Terroir por exemplo) sai bem mais caro que um similar em qualidade vindo do Chile.

Bom, esperemos. Enquanto isso bebamos os importados sem culpa.

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