Dois bons brasileiros

Todos sabem da evolução na qualidade dos vinhos nacionais, principalmente nos últimos 10 anos, pena que os bons vinhos nacionais, que estão entre os melhores do Mundo, sejam tão caros.
De qualquer forma, aí vão duas boas dicas:
A primeira é produzida pela gigante Miolo no Vale dos Vinhedos (Bento Gonçalves). Trata-se de um dos ícones da casa (o outro é o Lote 43), o Merlot Terroir, cuja a safra 2005 foi premiada em uma degustação às cegas em Londres. Eu bebi o 2008 e realmente é muito bom.
Não tenho dúvida que a uva "símbolo" brasileira será a merlot, pois ela encontra terreno apropriado na Serra Gaúcha. Ela é menos tânica que a cabernet sauvignon e a malbec e de maturação mais precoce, com aromas marcantes de frutas vermelhas escuras e maduras.
A Loja virtual da Miolo está vendendo cada garrafa por R$75,00, mas o preço não deve variar muito disso no mercado, mas não é fácil de achá-lo. A premiada e famosa safra 2005 é mais rara de encontrar e não sai por menos de R$120,00.

A segunda dica vem de um produtor pequeno também do Vale, a Don Laurindo. Eles produzem o excelente Don Laurindo Reserva 2008, um corte de malbec, tannat e ancellotta.
Sua cor é de um vermelho rubi intenso, muito agradável e frutado, com aroma presente de carvalho, mas sem exagero. No paladar é sedoso e agradável. O surpreendente é o seu baixo teor alcoólico de somente 12°, já que a tendência do Novo Mundo é por vinhos muito mais graduados.
No mercado ele está custando em torno de R$65,00.


Abraços e Bons Brindes!

Harmonização

Muito já se falou que o vinho não é uma bebida de happy hour. Diferentemente da cerveja ou do whisky, as quais conseguimos beber facilmente com os mais variados petiscos, e até sem nada para acompanhar, o vinho exige uma companhia mais sofisticada que as coxinhas e pasteis de praxe.
Concordo que há certo exagero dos puristas quando o assunto é o casamento de um prato com a bebida de Baco. Mas "afetações" à parte, um mínimo de bom senso químico deve prevalecer.  E o que a química tem a ver com essa história? Muita coisa.
Antes de qualquer coisa é importante lembrar que o vinho é o resultado da fermentação da uva (degradação química do açúcar através de leveduras, transformando-o em álcool). O produto final, que lhe dá características peculiares, deve possuir principalmente: Acidez, adstringência e obviamente teor alcoólico; e aí aparece a química para explicar (ou a biologia).
Essas três características básicas são primeiramente percebidas pelas papilas gustativas na língua e que conferem os sabores primários (doce, salgado, ácido e amargo), mas se você ingere um alimento que "compete" nas mesmas papilas com acidez  e condimentação exageradas, um dos lados sai perdendo, e geralmente é o vinho.  A recíproca também é verdadeira, pois se você bebe um tinto mais intenso e com taninos mais presentes (maior adstringência) com uma comida mais "leve" e menos untuosa (peixes, saladas, etc), o prato simplesmente desaparece. Leve isso em conta quando decidir juntar um vinho à uma comida qualquer.  Para uma boa harmonização, o preceito "dos opostos que se atraem" nunca deverá ser tentado. Tanto um vinho tinto pode "destruir" um prato leve, como uma comida apimentada ou carregada no tempero pode inutilizar um bom merlot ou pinot noir. Para que isso não aconteça, é melhor usar o chavão do casal ideal: "Um completa o outro". Mesmo respeitando o sagrado direito de escolha e gosto de cada um, algumas regras definitivamente precisam ser seguidas:
Nunca e em tempo algum façam as seguintes combinações:
  • Nenhum vinho com pratos temperados e/ou carregados no... Limão, laranja, kiwi,  pimentão, alcachofra, aspargo, couve, condimentos, molho de soja tipo shoyu, wasabi, gengibre, curry, dendê, alho, vinagre, amendoim, azeitona e molho agridoce.
Combina, NÃO combina:
  • Vinho tinto (com exceção talvez do pinot noir) NÃO combina com peixes ou frutos do mar. Para esses pratos COMBINE os brancos e espumantes.  O único peixe que harmoniza bem com um tinto é o bacalhau, mesmo assim se for em posta e na brasa, e sem os temperos citados acima. Poderíamos também abrir um precedente para uma sardinha portuguesa na brasa com um tinto fresco e jovem da Terrinha (com as suas uvas nativas); 
  • Aves COMBINAM melhor com brancos e espumantes, mesmo que muitos achem que o pato e o ganso podem ir bem com os tintos, por terem a carne mais "forte" e  gordurosa. A única exceção fica com o avestruz, cuja a carne mais parece filet mignon. Essa ave COMBINA com tinto;
  • Vinho branco NÃO combina com carnes vermelhas ou de caça. COMBINE com qualquer tinto de sua preferência;
  • Carne de porco COMBINA melhor com vinho branco, mas os tintos não estão descartados, dependendo muito do tempero dessa carne. Para as costeletas de porco defumadas, eu prefiro um tinto;
  • Sei que serei xingado, mas outra incompatibilidade do vinho, e aí eu me refiro a todos (brancos, tintos, rosés e espumantes), é com a cozinha oriental. Apesar de muita gente boa indicar brancos e espumantes com culinária japonesa, considero que esse dois universos nunca devam se encontrar. O preparo e o tipo de alimento ingerido pelos nossos bravos irmãos do outro lado do planeta NÃO combina com uma garrafa de vinho. Sem trocadilhos, não rola química. Sugiro uma cerveja leve.
  • Sopas NÃO combinam com nenhum vinho. Única exceção: Sopa de cebola com um Beaujolais;
  • Feijoada ou comidas "exóticas" (dobradinha, mocotó, buchada, etc...) NÃO combinam com nenhum vinho. Para essa ocasião "bate-entope", existem as cachaças e cervejas.
E o famoso "queijo com vinho"? Eu acho o casamento bom, mas tenha cuidado na escolha dos parceiros.
  • Queijos frescos, curados e brancos moles = espumantes ou branco sauvignon blanc;
  • Queijos semiduros = brancos riesling ou gewürztraminer;
  • Queijos duros = tintos encorpados (syrah, cabernet sauvignon, malbec, tempranillo e tintos italianos ou espanhóis);
  • Queijos azuis (com bolor) = vinhos doces, do Porto ou Sauternes.
Bons brindes e boa harmonia!

A novela da salvaguarda

Mesmo para quem não é um bebedor frequente, já deve ter ouvido falar da "famigerada" salvaguarda do vinho. De qualquer maneira, vale a pena recapitular essa novela...

No D.O.U. do dia 15 de março desse ano, foi publicada a circular nº 9 que abriu o processo  de salvaguarda para o vinho nacional. Nessa circular, nos é informado que: "há indícios suficientes de que as importações brasileiras de vinhos aumentaram em condições tais que causaram prejuízos graves (sic) à indústria doméstica. Esses indícios levaram a Secretaria de Comércio Exterior a abrir investigação para averiguar a necessidade de aplicação de medidas de salvaguarda".
Salvaguarda, como está descrito no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, tem como objetivo: "Aumentar temporariamente a proteção à indústria doméstica que esteja sofrendo prejuízo ou ameaça grave, decorrente do aumento em quantidades das importações, em termos absolutos ou em relação à produção nacional, com o intuito de que durante o período de vigência de tais medidas a indústria doméstica se ajuste, aumentando a sua competitividade".

Esse pedido de salvaguarda do vinho foi protocolado em junho de 2011 por quatro importantes entidades sediadas no Rio Grande do Sul, são elas: IBRAVIN (Instituto Brasileiro do Vinho), UVIBRA (União Brasileira de Vitivinicultura), FECOVINHO (Federação das Cooperativas do Vinho) e o SINDIVINHO (Sindicato da Indústria do Vinho do RS. Lógico que por trás delas estão os maiores produtores de vinho da Região, que são inclusive grandes exportadores (só para citar três gigantes: Miolo, Salton e Aurora). Caso seja aprovada, será estabelecido cotas por país, com exceção da Argentina e do Uruguai, beneficiados pelo Mercosul. Resumindo... Não poderemos importar mais do que um limite de garrafas por país, limite esse estabelecido pelo que foi importado em 2011, acrescido de um "pequeno percentual" ainda indefinido.

A reação foi imediata. No dia seguinte à publicação, Pedro Hermeto, proprietário do renomado Restaurante Aprazível em Santa Tereza, retirou de sua carta todos os rótulos brasileiros de vinícolas envolvidas no pedido de proteção. A partir daí, outros restaurantes famosos seguiram essa conduta (DOM, Sudbrack e Piselli). As grandes importadoras, que são as principais afetadas, logo se posicionaram radicalmente contra. Ciro Lilla, dono da maior importadora do Brasil, a Mistral, afirmou que: "O processo apresentado pelos produtores gaúchos está repleto de erros afirmações e dados errados. A adoção dessa salvaguarda representaria uma violência jurídica que prejudicaria os consumidores, comprometeria o Brasil e seria facilmente derrubada na OMC.
Sentindo a pressão, A Salton voltou atrás e emitiu uma nota em que não compactuava com a posição da IBRAVIN.

Na semana seguinte, a União Européia manifestou ao Brasil preocupação com essa possível medida. Não custa lembrar que essas medidas são passíveis de retaliação, e que os nossos vinhos estão começando a entrar no mercado europeu. Temos aí um clássico exemplo de "tiro no pé"

No dia 28 de junho aconteceu em Brasília a audiência pública desse processo, onde os advogados das partes envolvidas colocaram as suas considerações jurídicas. Os especialistas que acompanharam a sessão concluíram que a tendência é que o governo não entre nessa tremenda "furada".

A última informação que temos do imbróglio é do blog do Guilherme Barros da Isto é Dinheiro. Ele afirma que:  "O gato subiu no telhado para os produtores riograndenses"; segundo Guilherme, "a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento concluiu que não há base para conceder o benefício". Fiz uma pesquisa agora na Camex e não há nenhuma publicação ou resolução a respeito ainda.

MINHA OPINIÃO
Toda a argumentação dos produtores reclamantes se baseou no fato que a crise financeira mundial, principalmente a européia, obrigou os produtores do velho Mundo a mirar o mercado brasileiro, desequilibrando a balança comercial e prejudicando as vendas e consumo do produto nacional... Pura balela. O que faz o consumidor, seja ele tupiniquim ou de qualquer parte do Mundo escolher um produto, está sedimentado nos conceitos clássicos de demanda: Necessidade, disponibilidade, qualidade e custo.
Não devemos esquecer que os impostos que incidem sobre os vinhos estrangeiros já são estratosféricos. Para se ter uma ideia, um bom Brunello de Montalcino sai no EUA por uns R$120,00. Aqui não sai por menos de R$300,00.

Todos nós concordamos que os vinhos brasileiros evoluíram muito nos últimos anos, dando um salto quase quântico em relação ao lixo que era produzido na década de 70. Quem não se lembra dos vinhos "suaves ou rascantes" que bebíamos nos indefectíveis garrafões, mas parecidos com refresco de uva misturado com álcool de farmácia. Hoje o vinho brasileiro alcançou um bom prestígio internacional, graças à preocupação com a qualidade e principalmente pela exposição à concorrência nos últimos anos. O que os produtores gaúchos  deveriam brigar é pela redução dos nossos tributos federais, sempre lá nas alturas. O que limita o consumo interno dos nacionais é o preço cobrado nas prateleiras de supermercados e cardápios de restaurantes. O nosso bom vinho (um Miolo Terroir por exemplo) sai bem mais caro que um similar em qualidade vindo do Chile.

Bom, esperemos. Enquanto isso bebamos os importados sem culpa.